quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Caderno G IDÉIAS

Estilismo de garagem - Jovens estilistas de Curitiba formam movimento alternativo que reforça a proposta de criação de roupas personalizadas

Danielle Brito (Gazeta do Povo)

Nos anos 90, Curitiba viveu uma efervescência de bandas de garagem que projetou a capital como celeiro de jovens talentos musicais. Com o tempo, o movimento se mostrou inócuo –a maioria dos projetos ficou na casca. Agora, uma nova geração troca as baquetas e baixos por tesouras e máquinas de costura, promovendo uma revolução criativa no que conhecemos como mercado de moda. A produção é pequena e caseira; a divulgação corre pela internet e a distribuição é feita em bazares e lojas multimarcas – a maioria delas de produtos alternativos. Na contracorrente das redes de fast-fashion – grandes lojas de departamento que copiam em alta velocidade e produzem roupas em série – , esses criadores oferecem peças quase exclusivas.

Dificilmente você encontrará um moletom igual a outro assinado por Naty Fogaça, 24 anos, entusiasta e uma das precursoras do fashionismo de garagem à curitibana. Começou no coletivo Tapume há três anos e participou do primeiro Bazar Lúdica, em 2007, hoje o maior ponto de encontro sazonal das grifes alternativas da cidade. “Construo um quebra-cabeças com retalhos de tecido. Não faço coleção nem modelagem. Lanço lotes, uma série de roupas que corto de acordo com o tamanho do tecido”, conta ela, que confecciona roupas em um quarto da sua casa e no dia desta entrevista agitava com outros estilistas um bazar, espécie de feira com dia marcado que aconteceu em um apê no centro da cidade.

Coletivo (grupos de criadores de diferentes áreas) e bazar são palavras-chave para entender os mecanismos desse movimento. São eles que alinhavam o contato entre os jovens criadores e seus potenciais compradores. As informações “voam” pela web: do já “arcaico” Orkut, passando pelo Facebook, Twitter, Flickr e assim vai. “A internet é a mola propulsora dessa história toda. Monta-se um blog, coloca-se os produtos e então pode-se vender”, diz o produtor de moda Andre Azevedo, do Coletivo Atalho, cujo trabalho consiste em fazer a ponte entre os criadores alternativos e o mercado, como nome sugere.

Kimiko Di Napoli, 25, e Flávia Itiberê, 24, olham para as décadas passadas e assinam a Gum, marca que tem como principais características o handmade (feito à mão) e o estilo vintage, dos anos 20 aos 80. “Nosso público é underground, gente que se interessa pela história que uma roupa pode ter, pela cultura das pin-ups, da música, das artes”, afirma Flávia, uma jovem de cabelos descoloridos e óculos de gatinho.

Junto com a gaúcha Daniela Fontes Inocente, 26, a dupla está abrindo o Espaço Demodê, na Rua Trajano Reis, onde pretende atender com hora marcada, promover bazares e performances artísticas. Sempre que dá, Dani volta a Porto Alegre para garimpar roupas antigas em brechós próximos ao porto. Aqui, diz ela, já fuçou por todos. Peças antigas em jérsei estampado valem ouro nas mãos da estilista autodidata. Um vestido de estampa linda, mas de corte sem-graça ganha barra, pences e outras interferências. Depois de pronto, recebe a etiqueta Scarlet Vintage, com a mesma pegada retrô da Gum.

O trio do Demodê é amigo de Alexandre Linhares, amigo da Lisa Simpson, que já, já vai entrar na história. Os estilistas de garagem são todos conectados entre si. Formado em Design de Produto na Federal, Linhares, 26, criou há dois anos a Heroína, que ele caracteriza como de “extrema vanguarda”. “Pra mim, a roupa pode ser até estranha, mas tem de ser original. O conceito é mais importante do que a beleza”, diz o jovem que pegou gosto pela costura por causa de uma tia costureira. O rapaz franzino com alargador nas orelhas enfoca o futuro: geralmente sua roupa parte de um recorte quadrado de malha, no qual são forjadas blusas e vestidos – para ele, a originalidade é capaz de dar “superpoderes”. “Quando uma pessoa não tem nada, ela tem a si mesma”, filosofa.

Dito assim, a sentença pode soar como frase de efeito, mas a produção desses jovens mostra que realmente eles não se importam com as tendências de moda. O que não quer dizer desprezar as informações e a cultura ao seu redor. “Estamos um pouco cansadas da repetição de referências que vimos, principalmente na moda uniformizada dos shoppings. Nossas clien­­tes estão mais exigentes quanto à qualidade e acabamento, têm mais informação de moda e valorizam peças e atendimentos exclusivos”, diz Paty Bonat, 29, criadora da Cabeça de Gato e hoje sócia de Caroline Piegel, 25, na marca. A mar­­ca começou com acessórios e toy art feitos a partir de retalhos de tecidos estampados e uma obsessão de Paty: gatos. Hoje, do ateliê montado na sala da casa de Carol também sai uma produção pequena de roupas vendidas pela internet e em duas lojas da cidade.